quinta-feira, maio 31, 2007

Mais Clarice: "Rosas silvestres"

"Rosas silvestres, eu vos amo.
Diariamente morro por vosso perfume"


"Só esta expressão rosas silvestres já me faz aspirar o ar como se o mundo fosse uma rosa crua. Tenho uma grande amiga que me manda de quando em quando rosas silvestres. E o perfume delas, meu Deus, me dá ânimo para respirar e viver.
As rosas silvestres têm um mistério dos mais estranhos e delicados: à medida que vão envelhecendo vão perfumando mais. Quando estão à morte, já amarelando, o perfume fica forte e adocicado, e lembra as perumadas noites de lua de Recife. Quando finalmente morrem, quando estão mortas, mortas - aí então, como uma flor renascida no berço da terra, é que o perfume que se exala delas me embriaga. Estão mortas, feias, em vez de brancas ficaram amarronadas. Mas como jogá-las fora se, mortas, elas têm alma viva? Resolvi a situação das rosas silvestres mortas, despetalando-as e espalhando as pétalas perfumadas na minha gaveta de roupa.
Da última vez que minha amiga me mandou rosas silvestres, quando estas estavam morrendo e ficando mais perfumadas ainda, eu disse para meus filhos:
- Era assim que eu queria morrer: perfumando de amor. Morta e exalanado a alma viva.(...)
Rosas silvestres, eu vos amo. Diariamente morro por vosso perfume."
(Idem, p.105)