terça-feira, janeiro 30, 2007

O desmatamento da Amazônia é um problema mundial

Não se trata apenas do ritmo em que as coisas acontecem, mas sim de quando elas vão parar, de quando o processo será irreversível
THOMAS LOVEJOY, ambientalista e pesquisador, analisando as questões do desmatamento da Amazônia e do efeito estufa

Excelente a entrevista com o pesquisador e ambientalista Thomas Lovejoy no programa Roda Viva, exibido ontem à noite (29-01-2007) na TV Cultura. Para quem não conhece, Lovejoy, 61 anos, é considerado um dos formuladores mais importantes do ambientalismo internacional e pioneiro na utilização do termo biodiversidade. Sua relação com o Brasil começou em 1965, quando visitou a Floresta Amazônica pela primeira vez. Desde então, há 40 dedica-se a estudar o desmatamento e seus efeitos, vindo ao país várias vezes ao ano para estudar a fragmentação florestal e ministrar cursos e palestras. Foi responsável, em 1979, pela implantação da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), criada pelo Governo Federal, que integra o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), programa de cooperação científica entre o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e o Smithsonian Institution dos EUA. O PDBFF é um dos únicos estudos de longo prazo a avaliar os impactos da atividade humana na Amazônia. Esse projeto rendeu-lhe a condecoração mais importante do país: a Ordem do Rio Branco, em 1988. Foi o primeiro ambientalista a receber a Comenda. Confira alguns trechos da entrevista:

Sobre a afirmação da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de que “o Brasil conseguiu diminuir a velocidade com a qual a floresta amazônica vem sendo destruída”
Não conheço os detalhes, mas para mim não seria uma surpresa se não houvesse embasamento e se a informação for imprecisa. A verdade vai se revelar.
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Quero dizer uma coisa válida para a emissão do efeito estufa e também para o desmatamento: não se trata apenas do ritmo em que as coisas acontecem, mas sim de quando elas vão parar, de quando será irreversível.
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Estou muito preocupado. A Amazônia tem oficialmente 17% de desmatamento. Está bem perto de uma situação irreversível, na qual não poderá manter o ciclo aquático. A diferença entre os dias de hoje e 25 anos atrás é que sabemos que o tamanho mínimo de floresta para resistir aos efeitos da seca precisa ser suficiente para resistir ao desmatamento, para resistir a um ano com El Nino ou ao que ocorreu em 97/98, que foi um período muito seco. No ano passado, soubemos que a mudança climática pode causar um sistema independente de seca. Então, precisamos de um tamanho mínimo suficiente de floresta, para resistir a esses três fatores. É uma questão que deveria ter destaque na pauta em Brasília. O futuro do Brasil sem a chuva que mantém a Amazônia e contribui com 40% das chuvas no país é muito mais difícil, digamos, do que os ecossistemas mantidos.

Sobre o ritmo do desmatamento, dos anos 70 para cá
Digamos que, quando cheguei, em 1975, desembarquei em Belém. Havia dois milhões de pessoas vivendo na Amazônia Brasileira. E havia uma estrada Belém-Brasília, as pessoas já viam com muita surpresa a ocupação e o desmatamento ao longo da estrada, as pessoas sabem o lado negativo da história desde então. E é perturbador, é um grande desafio. Mas as pessoas não sabem o que aconteceu de positivo. Literalmente, somando todas as novas áreas de proteção criadas pelos governos federal ou estadual, incluindo áreas indígenas, cerca de 40% da Amazônia Brasileira está sob alguma forma de proteção. Isso é um grande feito. Eu não sou o primeiro a dizer que não é suficiente. Quem se preocupa com o futuro da Amazônia deve pensar em mantê-la como um sistema, porque existe vegetação suficiente nos lugares certos, para manter o ciclo aquático da Amazônia, que é importante não só para a Amazônia, mas também para o restante do Brasil, já que ela participa com 40% das chuvas.

Sobre as perdas irreparáveis para a Amazônia
Eu diria que em algumas partes da Amazônia seria muito difícil recuperar a floresta numa forma que lembre o seu estado original. Mas também há grandes áreas em que isso é possível. Precisamos passar muito tempo pensando nessas pessoas e como elas podem viver bem na Amazônia, com menos impacto sobre a floresta. Acho que as cidades são fundamentais para isso, porque boa parte desses 20 milhões está em cidades. O Estado do Amazonas, cuja capital é Manaus, tem um dos menores índices de desmatamento porque a Zona Franca atraiu as pessoas à cidade. Quem se preocupa com o verde, como eu, na verdade, precisa se preocupar muito com a questão urbana, garantindo qualidade de vida para essas pessoas.

Sobre a adoção de uma política integrada para a Amazônia pelo governo brasileiro, idéia defendida pelo climatologista Carlos Nobre.
Acho uma idéia excelente. Tem um instituto cujo objetivo seja encontrar maneiras sutis de proporcionar renda para as pessoas que vivem na AM. Também acho que seria possível criar uma coisa que é necessária a tempos: que é o modelo do ciclo aquático da AM., ao qual todos os projetos de desenvolvimento devam ser submetidos como um teste, para analisar seus efeitos sobre o ciclo. Você descobre as conseqüências ates de fazer alguma coisa. Precisaremos de uma mistura de novas formas de atividades econômicas. Com o mínimo de impacto. É preciso uma forte vontade política, além de incentivos econômicos para atrair pessoas para fazer as coisas certas, não as erradas, posso pensar até em serviços de ecossistemas, pagamentos de acordos etc. Há muito espaço para criatividade para ajudar a resolver o problema.

Sobre as áreas de proteção e a fragmentação que a floresta amazônica ainda pode suportar
O que me causou essa preocupação foi o grande debate científico quando não sabíamos que tamanho deveria ser a área de proteção para manter a representatividade no caso da floresta amazônica. Minha preocupação era que, sem dados, a polêmica continuaria e a questão seria ignorada. Por isso, comecei a pesquisa com meus colegas brasileiros. O interessante é que só executando esse programa de pesquisas, fizemos todo mundo pensar na necessidade de áreas de proteção maiores. Literalmente, todas as áreas de proteção criadas desde que começamos a discutir as que iríamos pesquisar foram de dimensões substanciais. De qualquer forma, os cientistas têm vindo lentamente e agora temos provas de que ter áreas de proteção maiores era a idéia certa. Foi uma idéia intuitiva, mas agora está embasada. Claro que isso nos leva a pensar nos fragmentos que já existem, inclusive de mata atlântica. Todos têm algum valor e podem ter mais valor se conseguirmos conectá-los. É muito interessante a história da preservação aqui no Brasil. Passou da fase de pensar em parques aqui e ali. O Brasil em muitos sentidos esteve na dianteira do pensamento e da ação conservacionista.

Sobre o papel dos EUA na solução das graves questões ambientais no século XXI
É evidente que os EUA ainda são a maior a economia do mundo. O país tem um papel muito importante e não exerce esse papel tão bem quanto há 15 anos. Uma coisa trágica lá é que o ambiente se tornou uma questão partidária. Os democratas protegem o meio ambiente e os republicanos praticamente ignoram ou são contrários à proteção, embora historicamente – e essa é a grande ironia – boa parte da legislação ambiental americana tenha surgido em governos republicanos.
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Esperamos que a ênfase do partido volte a ser essa. Acho que nas próximas eleições essa questão será muito importante, como não acontece há muito tempo. Não dá mais para ignorar a questão da mudança climática, ela pode ser percebida no quintal das pessoas, no que vem acontecendo no ártico. Acho que veremos uma grande mudança. Al Gore lançou um filme que está sendo exibido nos cinemas comuns sobre mudanças climáticas. E o filme vem chamando muito a atenção. Então, a minha esperança é que os EUA voltem a se estabelecer como líder importante na questão ambiental e que dêem um salto em relação aos últimos anos.